Como provar para uma aplicação digital que você é um ser humano? É exatamente essa pergunta que motiva a criação da WorldCoin, o projeto mais polêmico da web3 na atualidade.
Nesta segunda-feira, dia 24 de julho de 2023, as maiores exchanges de criptomoedas do mundo listaram a Worldcoin. A Worldcoin levantou mais de US$100 milhões em rodadas de financiamento com a16z, Coinbase Ventures e investidores como o fundador do Linkedin, Anatoly Yakovenko da Solana Foundation e claro, do Sam Bankman Fried. Antes mesmo do seu lançamento, o token do projeto foi cotado com um valuation de US$ 3 Bilhões.
Durante sua fase beta, o projeto Worldcoin verificou a singularidade humana de mais de 40 mil pessoas por semanas, somando mais de 2 milhões de pessoas que já portam o World ID no dia do seu lançamento.
O que é a Worldcoin?
A missão da Worldcoin é criar uma rede financeira global baseada na identidade biométrica dos usuários. Para isso, a criptomoeda usa o sistema World ID, para que os usuários possam provar sua humanidade através do Proof of Personhood. O World ID foi criado para funcionar como um passaporte digital que permite que as pessoas provem sua identidade, teoricamente, mantendo seu anonimato.
Em carta, os fundadores do projeto, Sam Altman e Alex Blania anunciam a WorldCoin como um projeto que: ‘‘poderá aumentar consideravelmente as oportunidades econômicas, dimensionando uma solução confiável para distinguir humanos de IA, enquanto preservar a privacidade e permitir processos democráticos globais, (e eventualmente) para um projeto de Renda Básica Universal (UBI) financiado por IA.’’
Para que os ‘humanos’ possam ser verificados, resolvendo problemas para votação online, distribuição de poder ou o caso da UBI, a criptomoeda usa a ‘’Prova de Personalidade’’ para garantir que um indivíduo é humano e único.
Para quem não conhece, Sam Altman - por coincidência- é CEO do OpenIA, ex-presidente do Y Combinator e ex-CEO do Reddit. Altman também é conhecido por ser vegetariano e adepto ao movimento "sobrevivencialista’’. Em 2016, o fundador disse: "Tenho armas, ouro, iodeto de potássio, antibióticos, baterias, água, máscaras de gás da Força de Defesa de Israel e um grande pedaço de terra em Big Sur para onde posso voar."
Alex Bania é CEO do Tools for Humanity, empresa responsável por desenhar os dispositivos responsáveis pela emissão do World ID.
Segundo o whitepaper do Projeto, a Worldcoin é fundada a partir de três suposições:
A Prova de Personalidade (Proof of personhood) é um primitivo digital necessário e ainda ausente no mercado. À medida que as IAs se tornam mais poderosas e disponíveis, cada vez mais esse primitivo será necessário.
A Prova de Personalidade desenvolvida de forma escalável e inclusiva, permite pela primeira vez, alinhar recompensas para incentivar que participantes ‘adicionem humanos reais a rede.’’ Segundo o projeto, assim como o Bitcoin é emitido para proteger a rede, a Worldcoin é emitida para expansão da rede, com segurança herdada da infraestrutura do Ethereum.
Na Era das IAs cada vez mais poderosas, a maneira mais confiável de criar uma prova global de humanidade é através de um hardware biométrico personalizado.
Como justificativa, o whitepaper da Worldcoin cita que o projeto busca criar um sistema de identidade que permita ‘‘airdrops justos, proteção contra ataques de bots/sybil nas mídias sociais, uma distribuição mais justa de recursos limitados e novas formas de governança (por exemplo, por meio de votação quadrática).’’
Token WorldCoin (WLD)
O Worldcoin (WLD) é um token ERC-20 criado na blockchain do Ethereum. Os indivíduos que realizaram sua Prova de Humanidade receberam suas recompensas na rede Optimism. Dessa forma:
Grande parte do supply dos tokens WLD será dado aos a indivíduos - simplesmente por ser um ser humano único.
Há o potencial de uma "fatia grande’’ da população mundial receber tokens WLD, tornando o WLD uma das moedas digitais mais distribuídas do mundo.
O token WLD, juntamente com o World ID, serão usados paraa governança de protocolo.
Endereço da Rede Ethereum: 0x163f8c2467924be0ae7b5347228cabf260318753
Endereço do Optimism: 0xdc6ff44d5d932cbd77b52e5612ba0529dc6226f1
O token WLD funcionará com um token de utilidade com propriedades de governança, permitindo os sistemas de cada token-um-voto” e “uma pessoa-um-voto”. No futuro, a comunidade poderá usar seus tokens para definir o futuro do projeto, assim como adição de novas utilidades ao token. A longo prazo, o token WLD também pode ser tratado como uma reserva global de valor.
A Worldcoin Foundation também citou no whitepaper que trabalhará para descentralizar progressivamente a governança e o ecossistema.
O supply inicial do token é 10 bilhões de WLD, com uma taxa de inflação inicial de 0% que poderá ser modificada pela governança do protocolo. Qualquer pessoa que baixar o World App e visitar um Orb para a verificação da sua humanidade poderá fazer o claim de tokens WLD.
75% dos supply do token será destinado à comunidade Worldcoin, principalmente aos usuários autenticados. 9,8% está alocado para a equipe de desenvolvimento inicial, 13.5% é destinado a equipe do Tools for Humanity (TFH), responsáveis pelo World App e 1.7% está destinado a um fundo de reserva para as necessidades futuras do TFH.
Como reivindicar o token Worldcoin (WLD)?
A maior parte dos tokens está destinado aos usuários que aceitarem se verificar. Dessa forma, o projeto busca criar um incentivo para criar uma rede com o maior número possível de humanos reais verificados.
A distribuição do WLD aos usuários será feita com base em três princípios:
Humanidade única: cada humano verificado poderá reivindicar seu token.
Justiça: no mesmo período, quaisquer pessoas em quaisquer lugares têm direito a mesma quantidade de token.
Incentivos: para incentivar a adoção, os valores das recompensas diminuem com o tempo.
Para realizar a reivindicação do token, os usuários devem primeiro se registrar no World App, a primeira carteira compatível com o projeto. O app tem como objetivo ser usado para transação entre moedas fiduciárias e cripto, negociação entre token via exchanges descentralizadas e interação com dApps por meio do WalletConnect. O sistema permite que outros desenvolvedores criem seus próprios clientes sem que seja necessário qualquer permissão, o que significa que pode haver vários aplicativos compatíveis com o World ID.
Após baixar o aplicativo, o usuário deve se informar onde há o Orb mais próximo para realizar a prova de personalidade via escaneamento da íris e receber o World ID.
O que é o Orb?
Partindo da premissa da biometria da íris como melhor sistema de verificação para um sistema escalável e identidade e da falta de dispositivos disponíveis comercialmente, a Tools for Humanity (TFH), construiu um dispositivo biométrico personalizado chamado Orb.
O Orb usa sensores multiespectrais para verificar os dados e emitir uma credencial AI-safe3 PoP chamada World ID para verificar a humanidade e a singularidade de cada usuário. O primeiro passo para a criação do World ID é o processamento do dado da íris da pessoa à frente do Orb, que compara o código com todos os códigos de íris previamente lidos por todos os Orbs existentes. Se o código foi único, a pessoa recebe uma prova de credencial em sua carteira digital.
Para o processamento da imagem da íris, nenhum dado adicional é requerido. E segundo o FAQ do Orb, o dispositivo exclui imediatamente as imagens da íris após a criação do código da íris (ausência de consentimento explícito para a custódia
de dados).O que ocorre é a comparação entre as hashs armazenadas.
Hoje (24/07), o projeto anunciou a disponibilização de 1.500 Obs em 35 cidades e 20 países.No Brasil, há Orbs já disponíveis no Rio de Janeiro e em São Paulo. Os locais e reservas estão disponíveis pelo World App.
O código do Orb é Open Source e todos os arquivos de engenharia relacionados ao hardware estão disponíveis em um repositório do GitHub sob as licenças de código aberto do MIT.
Como funciona a World Coin e o World ID
usuário baixa o World App
aplicativo gera duas chaves privadas criptografadas
usuário vai até um Orb realizar o escaneamento de sua íris
sistema calcula o hash da íris
O Orb envia uma mensagem assinada pela chave do privada do Orb para o Trust Platform Module (TPM) com o código recém captado.
O TPM compara o novo código com seu banco de dados. Se a inscrição for dupla, o sistema rejeita a inscrição, caso contrário, o novo hash é registrado.
Para evitar cadastros duplicados, o código de íris é armazenado em um banco de dados contendo todos os códigos de íris já escaneados. Através das '' Provas de Conhecimento Zero'', o sistema consegue garantir que determinada íris nunca antes foi escaneada, sem que precise saber a identidade da pessoa.
Depois de verificados por meio do Orb, os indivíduos recebem um World ID, uma credencial de prova de personalidade. Por meio do World ID, eles podem reivindicar uma quantia definida de WLD toda semana (Worldcoin Grants).
Proof of Personhood (PoP): como a World Coin busca provar que um humano é quem diz ser
Um dos grandes desafios - além de todas as questões urgentes em torno da privacidade e segurança dos dados- no que tange as provas de identidade é a questão dos registros múltiplos. Uma mesma pessoa pode ter vários e-mails e até mesmo vários RGs no caso do Brasil. Outros desafios incluem a verificação - garantir que apenas o proprietário legítimo da credencial possa usá-lo e a questão da recuperação para credenciais perdidas ou roubadas.
A World Coin resolve o problema da autenticação e da duplicidade por meio de dispositivos de verificação biométrica, sendo o primeiro desses dispositivos, o Orb. No whitepaper do projeto, há uma discussão em torno dos pontos fracos e altos dos diversos sistemas de autenticação existentes, tais como contas online, sistemas de KYC, chaves PGP, soulbound, Bright ID e a biometria.
Diferente de outros sistemas, os criadores da World Coin dizem que os sistemas biométricos são universais, pois permitem acesso independente da nacionalidade, raça ou sexo e que permite uma recuperação natural, mesmo que o detentor tenha esquecido de absolutamente tudo.
Em relação aos sistemas possíveis no que tange a biometria, o sistema de autenticação biométrica via íris é apresentado pelos fundadores do projeto como a modalidade mais segura de todas, com uma taxa de erro de 1 correspondência falsa para 40 trilhões.
A precisão do sistema de biometria da íris é muito mais preciso que os sistemas atuais de verificação via reconhecimento facial. Além disso, a estrutura da íris é estável ao longo do desenvolvimento de uma pessoa e mais dificilmente afetada. Enquanto podemos modificar via cirurgia plástica nosso rosto e sofrer cortes nos dedos, a íris se mostra mais estável. O sequenciamento de DNA também poderia fornecer grande precisão, mas o atual estágio de desenvolvimento do setor dificulta que a coleta desse dado seja feita de forma privada e sem coletas adicionais de informação.
A partir de diversos estudos, o sistema de biometria foi eleito como o melhor para criação de um sistema global de verificação, já que sua entropia é significativamente maior do que uma impressão digital e que o reconhecimento da íris é cerca de quatro ordens de magnitude (10.000x) mais preciso do que o reconhecimento facial.
A Worldcoin realmente é privada?
Durante a fase de pré-lançamento, ocorrida entre maio de 2021 e julho de 2023, mais de 2 milhões de indivíduos verificaram seus IDs mundiais em um Orb, com 19% dos usuários pertencendo a América Latina, 32% à Ásia e 31% à África. Sendo a Europa responsável por apenas 17% da distribuição e os Estados Unidos não integrando a distribuição de forma significativa. O que particularmente, eu e o MIT achamos um tanto estranho.
Quando eu vi esse gráfico pela primeira vez, o primeiro pensamento foi: se os desenvolvedores do projeto estão na Europa, porque os Orbs não estão lá?
Uma reportagem do MIT Technology Review relatou questões ainda mais drásticas. Durante os primeiros testes no vilarejo de Gunungguruh, na Indonésia, a equipe da WorldCoin coletou e mails e números de telefone enquanto escaneavam a íris e coletavam outros dados biométricos em troca de ‘dinheiro’. Além de Gunungguruh, o time da Worldcoin coletou os dados em várias outras aldeias- na maioria das vezes em países em desenvolvimento - em troca de dinheiro fiduciário, tokens Worldcoin e até pagamento a funcionários do governo local.
Segundo o MIT, os primeiros usuários ganharam cerca de US$ 25 em tokens para escanear os dados da iris e para realizar o login na wallet do projeto. O pagamento variou na forma de distribuição para que os desenvolvedores testassem mecanismos diferentes de incentivos e adoção.
Parte dos primeiros testes foram realizados durante a pandemia. A diretora de uma escola primária que deu entrevista ao MIT disse que havia sido informada uma noite antes que a escola seria usada para registros da Worldcoin."Como as instruções vieram de um funcionário de alto escalão - Ade Irma, chefe de governança do subdistrito, que estava ajudando a Worldcoin a coordenar as unidades de registro da vila, "não pude recusar o pedido"
A leitura dos termos de privacidade do projeto também pode te deixar com uma pulga na orelha. Algumas observações citam que usuários podem ceder as imagens. Que ainda há pesquisas em andamento. Que é necessário testar e treinar os sistemas para garantir maior segurança ao sistema.
Do meu lado, eu comecei cética. No meio da leitura, achei o projeto interessante e depois terminei ainda mais cético do que quando comecei. Mas como sempre, não confie, verifique: https://worldcoin.org/blog/developers/privacy-deep-dive
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