Um Guia com tudo que você precisa saber para se orientar na treta da energia do Bitcoin.
Elon Musk derrubou em 17% o preço do Bitcoin ao anunciar que a Tesla não iria mais aceitar Bitcoins devido aos seus problemas ambientais.
O twitter talvez seja uma grande piada, mas o debate não é. Mas a questão tem sido conduzida em grande parte por pessoas - tão catastróficas quanto desinformadas-, e países que buscam culpar o Bitcoin por seus problemas (no Irã, mineradores que usam 2% da energia da rede foram responsabilizados pela má gestão de uma rede com problemas há anos).
Os críticos do Bitcoin alimentam a treta com alguns mal entendidos, dizendo que o ativo vai precisar de 2, 3, 14 Terras para escalar ao tamanho da Visa. Os Bitlovers defendem o Bitcoin dizendo: 70% da sua matriz é renovável- sem nunca terem lido o relatório de onde saiu esse número.
(In)felizmente, há mais de uma década eu encaro as reflexões sobre o que é viver de forma sustentável, inclusive nas minhas opções de consumo e alimentação. Ao mesmo tempo, já há meia década eu vivo Bitcoin.
Por isso, quando eu encarei o desafio de entender a questão ecológica do Bitcoin, eu o fiz tanto como apaixonada por criptomoedas, como preocupada com as questões ambientais. O Guia 'Como se orientar na treta da energia do Bitcoin?' é resultado de anos de estudos motivados pela paixão de pensar em como criar uma eco-criptoanarquia!
O Guia é dedicado a todos aqueles que não estão aqui pelo FUD!
Índice
Por que o Bitcoin consome energia?
Quanta energia o Bitcoin consome?
O Bitcoin vai consumir 14 Terras para processar o que a Visa processa ?
De onde vem a energia do Bitcoin?
O Bitcoin consome energia limpa ou suja?
Mineração na Islândia e países verdes
Energia Solar e Eólica
Hidrelétricas
Mineração híbrida
Metano
Qual será a pegada de carbono futura do Bitcoin?
Evolução da eficiência energética do Bitcoin
Optical Proof of Work
E o Doge?
Re(utilizando) os excedentes
Mineração Combinada
Reciclando os resíduos de calor da mineração
Não é um desperdício utilizar tanta energia?
Conclusão: Transformando os desafios em oportunidades de uma eco-criptoanarquia
Por que o Bitcoin consome energia?
A blockchain do Bitcoin usa um mecanismo de consenso conhecido como Prova de Trabalho (PoW) - o vilão de toda treta- para manter a rede funcionando em segurança. Tradicionalmente, quando você paga uma conta, há uma transferência física para outras pessoas. Como a nota não está mais com você, não é possível gastar duplamente o valor. No contexto digital, uma unidade adicional pode ser produzida sem aumento no custo de produção. Se o dinheiro puder ser duplicado a custo marginal zero, o dinheiro perde valor. Esse problema é resolvido nos pagamentos digitais tradicionais com uma entidade centralizada que diz quem tem ou quem não tem dinheiro para gastar. Mas essa centralização é historicamente corruptível.
Apesar de inúmeros outros protocolos de dinheiro digital terem sido criados antes do Bitcoin (b-money, Hashcash, Ecash, Bit Gold), ele foi o primeiro a resolver o problema do gasto duplo de forma distribuída. A blockchain resolve esse problema com nós e computação distribuída que validam as transações com base em um quebra-cabeças de funções hash e na busca do nounce. Os participantes da rede competem com poder computacional (que requer muita energia) para resolver o quebra-cabeças a fim de adicionar blocos válidos à cadeia e reivindicar suas recompensas (taxas e bitcoins recém criados). Funciona como uma loteria, quanto mais bilhetes (energia elétrica, hardware eficiente e computador muito rápido) você tem, maiores serão suas chances de ganhar a recompensa.
O gasto computacional/energia/trabalho da rede tem como objetivo proteger o Bitcoin e impedir que agentes mal intencionados fraudem o sistema e modifiquem o histórico das transações. Em outras palavras, o Bitcoin só pode ser imutável e seguro se e somente se, for caro (em valor ou energia) fraudar a rede. O custo de energia do PoW é o custo de manter a rede segura de forma descentralizada.
O que os críticos consideram 'muita energia' é uma característica inata da rede. Citando Nick Szabo: “O consumo prolífico de recursos e a baixa escalabilidade computacional desbloqueiam a segurança necessária para integridade independente, perfeitamente global e automatizada.''
Entretanto, a quantidade de energia que o Bitcoin precisa é variada e ajustada regularmente pelo protocolo para garantir que um bloco válido seja encontrado a cada 10 minutos. Se o número de mineradores sobe, a dificuldade aumenta. Se ele cair, a dificuldade também é ajustada para baixo. Isso significa que a rede não tem um consumo específico requerido. Ela vai variar de acordo com o interesse/lucro da atividade da mineração. Como a recompensa está relacionada ao preço do ativo, historicamente preço e hashrate tem grande correlação.
Hashrate vs Preço do BTC. Fonte: woobull
Quanta energia o Bitcoin consome hoje?
Há diversas metodologias para estimar o consumo de energia do bitcoin. Entretanto, as condições altamente variáveis da indústria (dificuldade ajustável, hardware de mineração usado, custo energético, melhoria na eficiência das máquinas, locais de mineração, fonte de energia, resfriamento, etc) tornam as estimativas um pouco difíceis. Essa dificuldade é em parte responsável pela treta de comparações, polêmicas e FUD sobre o consumo de energia da mineração do Bitcoin.
Há dois modelos referência no mercado: o Bitcoin Energy Consumption Index (BECI) e o Cambridge Bitcoin Electricity Consumption Index (CBECI). Segundo o BECI, o Bitcoin consome entre 53-117 TWh por ano. Segundo o CBECI, a estimativa mais baixa é de 46 TWh, a maior de 516 TWh, com uma estimativa de 150 TWh, 0,6% da energia consumida no mundo. Na seção de metodologia de ambos os índices, há em detalhes algumas premissas e limitações dos modelos. Mas, considerando apenas a distância entre as estimativas mais altas e mais baixas, já vislumbramos um pouco do problema, nós não sabemos exatamente quanto o Bitcoin consome de energia.
Sim! O Bitcoin consome mais energia hoje do que a Nigéria, Islândia, Dinamarca, Equador, Irlanda e de pelo menos outros 30 países. Se podemos comparar criptomoedas com qualquer coisa, podemos dizer: considerando o range das estimativas, a quantidade de eletricidade consumida por dispositivos domésticos sempre ligados, mas inativos, só nos EUA poderia manter a rede do Bitcoin por 1,5 ano.
Fonte: cbeci.org/cbeci/comparisons
Mas há uma outra questão, apesar da dificuldade dessa estimativa, é mais fácil quantificar a pegada energética do Bitcoin do que do ouro ou do sistema bancário tradicional. Portanto, eles são 'alvos menos fáceis' à crítica. Quanto a atividade bancária tradicional consome? É realmente difícil saber qual o custo de manter um sistema fiduciário porque envolve estruturas que vão dos sistemas bancários aos sistemas políticos que precisam manter a hegemonia do seu cunho forçado. Aos interessados, indico duas leituras: Fraying petrodollar system e US military is world’s single largest consumer of oil.
O Bitcoin vai consumir 14 Terras para processar o que a Visa processa ?
Grande parte da crítica ambiental e energética feita ao Bitcoin nasce com a comparação do protocolo com redes de pagamento como a Visa e custo energético por transação. O caminho cognitivo:
Pega-se o número total do hashrate do BTC
Dividem o número acima pelas transações processadas na camada base e chegam ao 'custo de energia por transação'
Eles multiplicam o custo de energia pelo número -ou fração- de transações digitais que ocorrem no mundo
Eles chegam ao fim do mundo!
Para usar apenas um exemplo, Eric Holthaus diz: ''O Bitcoin consome 124 TWh para validar 350.000 transações por dia. Para processar 1 bilhão de transações de cartão de crédito que ocorrem todos os dias, será preciso 14 vezes a eletricidade total do mundo.''
O problema com a análise de Holthaus é que ele esquece as restrições técnicas do protocolo Bitcoin impedem -propositalmente- que ele escale até o tamanho da Visa. Atualmente, o consumo do Bitcoin representa 0.6% do total de produção de energia do mundo, mas nunca haverá dezenas de milhões de transações na camada base. O bloco do Bitcoin é limitado e uma guerra foi travada em 2017 para manter o protocolo assim. É importante lembrar que quanto maior o bloco do Bitcoin, menos descentralizada é a rede. O tamanho 'limitado' da rede é uma escolha.
Agora você pode estar se perguntando, mas se o Bitcoin não chegar ao tamanho da Visa, como ele pode ser o novo sistema financeiro? Como Infraestrutura! O Bitcoin permite liquidações seguras, com pseudo-anonimato, sem intermediários e agnósticas quanto a quem e ao valor das transações ocorra. Mas isso não significa que você precisa pagar o seu café na camada base do Bitcoin. Há milhares de transações que ocorrem em cadeias subjacentes e apenas utilizam o Bitcoin como infraestrutura.
A grande questão é que o Bitcoin escala por camadas e não verticalmente! As camadas mais comuns são as soluções de segunda camada (Lightning), sidechains como Liquid e Rootstock e plataformas de contratos inteligentes. Quando usuários utilizam a Lightning por exemplo, uma transação de Bitcoin pode liquidar milhares de transações. Ou seja, 350 mil transações diárias na rede base do Bitcoin não significa que apenas 350 mil transações utilizaram a segurança (e a energia) do Bitcoin.
E quanto mais pessoas utilizarem essas soluções, mais verde a coisa fica!
Você pode saber mais no debate que fiz sobre o uso do BTC como meio de pagamento.
Vale ressaltar: Não há custo energético por transação de Bitcoin. Transações individuais (P2P) não gastam grande energia. O grande consumo de energia da mineração do Bitcoin deriva das novas - e decrescentes- emissões de Bitcoins. No longo prazo, as taxas serão mais importantes na receita da mineradores do que a recompensa pela emissão - já que o processo é finito e mais de 85% delas já foram mineradas-, provavelmente o protocolo consumirá menos e não mais energia.
De onde vem a energia do Bitcoin?
“Imagine um mapa topográfico 3D do mundo com pontos de acesso de energia barata sendo menores e a energia cara sendo maior. Eu imagino que a mineração de Bitcoins seja semelhante a um copo de água derramado sobre a superfície, acomodando-se nos cantos e fendas e alisando-o.” - Nic Carter
A localização física da mineração não é fixa, os mineradores são livres para mudarem-se para áreas onde a mineração é mais rentável, o que depende do equilíbrio de vários fatores-chave, mas o mais importante é energia abundante e barata.
Sendo assim, locais com grande produção de energia, mas sem grande demanda, são os favoritos. O que eles fazem é absorver excedentes estruturais de energia. E há uma grande quantia de energia que seria simplesmente desperdiçada. O desenvolvimento de baterias baratas e eficientes ainda está muito aquém do necessário. Citando Andreas Antonoupous:
''O que acontece quando você constrói uma usina de 50 megawatts em um lugar onde eles têm apenas 15 megawatts de demanda? Você basicamente desperdiça energia. E se, naquele ambiente, você pudesse encontrar uma maneira de transformar essa energia em uma reserva alternativa de valor? [...] Ter energia “armazenada” na forma de criptomoeda compensa os custos envolvidos no desenvolvimento dessas soluções. O Bitcoin pode contribuir para converter energia excedente em uma mercadoria valiosa, simplesmente existindo.''
A incompatibilidade entre produção e demanda, cria o que Nic Carter chama de 'energia não-rival' - produções que seriam desperdiçadas e não são usadas por ninguém e não são facilmente desligadas, transportadas ou transformadas em algo de valor. Quando elas são usadas pelas criptomoedas, além do Bitcoin ajudar a monetizar o desperdício, há benefícios adicionais: patrocinar a modernização de grids que de outra forma não seriam lucrativos, atração de capital internacional e de mão de obra qualificada e modernização das redes telecom do território.
Em 2017, a China desperdiçou + 10% da sua geração total, 163.7(GW) - e ela continua sendo responsável por grande parte da mineração do Bitcoin. Segundo o CBECI, 65% da mineração de Bitcoin está na China. Entretanto, dados recentes mostram que menos da metade do hash está hoje na China.
Mas durante os últimos anos, de mineração 'monopolizada pela China', quatro províncias abrigaram a maior parte da mineração: Xinjiang, Sichuan, Mongólia Interior e Yunnan. Xinjiang e a Mongólia Interior - que já não é tão favorável à mineração - são fortemente movidas a carvão, mas entre 35 e 30% das suas redes são compostas por energia eólica / solar. Sichuan e Yunnan são ricas em energia hídrica.
As quatro províncias têm baixa densidade populacional, estão longe de centros urbanos e possuem recursos energéticos abundantes e Sichuan historicamente produziu mais energia do que pode vender para a rede estatal da China .
Um exemplo interessante para explicar a questão da energia não rival é o da Transnistria, um território de 299 km em uma posição geográfica estratégica perto do rio Dniester - um dos principais fornecedores de energia da região. O país, que faz parte da "Comunidade de Países Não Reconhecidos" pela ONU, tem uma das energias mais baratas da Europa (US$ 0,05 quilowatt/hora) e uma população decrescente. Após a guerra com a Moldávia nos anos 90, a Transnístria ganhou as barragens hidrelétricas no rio Dniester e a planta elétrica de Kuchurgan (com capacidade instalada de 2.520 MW), deixando a Transnístria com as maiores instalações de energia da região, mas sem qualquer grande empreendimento/população para usá-la.
Em dezembro de 2017, a Transnístria lançou uma lei para criar uma 'zona-livre' para atrair mineradores, com isenção de impostos, apoio a projetos, espaços para mineração e terrenos próximos à estação de Kuchurgan. O território já lucrou milhões com a venda de energia para os mineradores. Belarus, Abkházia e Geórgia são outros territórios 'pós-soviéticos' com grande abundância de energia que estão investindo em mineração de Bitcoin - inclusive, financiados pela Rússia.
Ou seja, a mineração está (e vai) onde há excedente, o que é muitas vezes, sinônimo de desperdício. Para fechar com um caso interessante, cito a Hydro-Quebec, uma concessionária canadense. Em janeiro de 2019, a Hydro-Quebec registrou um superávit equivalente a 100 terawatts-hora. Esse excedente atraiu os mineradores. O resultado da parceria entre as mineradoras e a concessionária foi tão bom que ela foi "obrigada" a dividir US$ 45 milhões com seus clientes, já que o lucro superou a taxa de retorno permitida pelo regulador.
O Bitcoin consome energia limpa ou suja?
Aqui, as coisas começam a ficar realmente interessantes!
A maioria dos Bit-lovers responderia que aproximadamente 70% da matriz energética do Bitcoin é verde. O número deriva de um estudo da Coinshares, publicado em junho de 2019, que diz que 74% da matriz do BTC era renovável. Mas, precisamos ir com calma.
Os primeiros estudos da pegada de carbono do Bitcoin, assumiram quantos % da matriz da localização dos mineradores era suja ou limpa para definir a matriz do Bitcoin. Mais tarde, algumas informações granulares foram sendo adicionadas aos modelos. O primeiro deles foi o Global Cryptocurrency Benchmarking Study em 2017. Em 2019 a Coinshares buscou aprimorar o modelo, considerando que locais específicos nos países listados podem oferecer energia menos intensa em carbono e apontou que 74% da rede usava energia sustentável. Mais tarde, um dos autores do relatório admitiu alguns 'erros' no estudo, derivados dos ciclos de chuva da China, cujo impacto é maior do que considerado inicialmente. Em Sichuan, uma das regiões com intensa mineração, a capacidade média de geração de energia durante a estação chuvosa é três vezes maior que na estação seca.
Em setembro de 2020, um estudo da Cambridge forneceu mais detalhes sobre a localização dos mineradores do Bitcoin ao longo do tempo e o insight de que a mineração é mais intensiva em regiões altamente poluentes do mundo durante a estação seca chinesa. Nessa pesquisa, a Cambridge diz que mineradores relataram que apenas 39% do consumo total de energia realmente vinha de fontes renováveis. Atualmente, cerca de 36% da matriz energética mundial é de fontes renováveis.
Mineração na Islândia e países verdes
Em países onde a transição está acelerada, o Bitcoin é mais verde. A Islândia está se tornando um lugar popular para a mineração de bitcoins é um caso interessante. A matriz energética nação é quase 100% de energia renovável. O país tem usinas geotérmicas e hidrelétricas em abundância e os vulcões fornecem à Islândia uma forma barata de energia renovável. Ao mesmo tempo, a localização e temperatura do país, reduz a necessidade de resfriadores. Assim, a mineração na Islândia é 'naturalmente' verde e lucrativa. Outros exemplos são Quebec (99,8% da matriz é verdade), Noruega (98%) e Geórgia (81%).
Entretanto, algumas observações precisam ser feitas.
Solar e Eólica
No atual desenvolvimento da indústria de energia eólica/solar, elas não são tão interessantes à mineração do Bitcoin por um motivo simples: uma ASIC deve funcionar 24/7. Sol, vento e chuva, por outro lado, não são tão workaholics. Como as ASICs depreciam-se rapidamente e a mineração não para, é necessário aproveitar o máximo potencial delas. Por isso, hoje, uma mineração movida exclusivamente por energia solar, eólica ou hídrica é pouco eficiente devido a sua intermitência.
Hidrelétricas
O caso das hidrelétricas é como dos carros elétricos, que produzem muito mais CO2 na sua fabricação do que os carros a diesel. Hidrelétricas não são fontes necessariamente limpas. No Brasil, o caso da usina de Belo Monte demonstra como a construção de uma nova usina pode afetar e ameaçar tanto culturas humanas como a fauna e a fauna local. Das 63 espécies endêmicas que são conhecidas na Bacia do rio Xingu, 26 só existem nas corredeiras da Volta Grande, e são ameaçadas pela baixa vazão provocada pela construção.
Claro que Xingu é o caso extremo e quando estamos falando de excedente de estruturas hidrelétricas já instaladas, o Bitcoin apenas está monetizando ativos de energia perdidos. Mas há muitas mineradoras com projetos de construção de novas usinas hidrelétricas e particularidades da biodiversidade local precisam ser consideradas se quisermos ser realmente verdes e não apenas defender ativos.
Mineração Híbrida
Buscando otimizar a mineração do Bitcoin para fontes intermitentes e renováveis, pesquisadores sugerem modelos híbridos, em que diferentes fontes energéticas podem ser utilizadas e alternadas. Segundo Nangeng Zhang, ''Isso envolve o redesenho e a reprogramação dos chips de mineração atuais para permitir uma maior facilidade de alternância entre fontes variantes de energia, sem interromper os processos de mineração.''
Quando estamos falando de criar um Bitcoin verde, estamos falando de reengenharia do hardware de mineração para utilizar radicalmente menos energia, reprogramação dos chips de mineração atuais para permitir o uso de energia híbrida para desempenho de custo ideal. Os hardware de mineração podem ser redesenhados pensando na ecologia à medida que o BTC verde se torna um valor para a comunidade.
Metano
A mineração pode não apenas mitigar/resolver os seus próprios problemas, como ela pode resolver problemas atuais, ajudando o mundo na transição ecológica. Um caso interessante é do metano.
Apesar de parecer contra intuitivo, já que metano é um gás de efeito estufa pior do que o C02, a mineração de Bitcoin com metano pode resolver o problema do gás que é liberado ou queimado nos locais de extração de petróleo - frequentemente locais remotos, sem infraestrutura de oleoduto e com economia inviável para captura. Atualmente a queima do metano tem grandes ineficiências e acabam piorando o problema da camada de Ozónio. Citando Nic Carter sobre a questão:
''Quando este gás é colocado em um gerador e usado para minerar Bitcoin, os operadores podem garantir uma queima completa (eliminando o metano liberado da queima ineficiente) e podem, adicionalmente, mitigar as emissões produzidas. Nem é preciso dizer que o gás natural totalmente fora da rede é totalmente diferente do consumo doméstico ou comercial de energia. Nunca seria monetizado, capturado, consumido ou entregue às famílias. Seu destino era simplesmente ser queimado ou ventilado.''
Segundo pesquisa feita por Carter, 538 bilhões de pés cúbicos de gás natural foram ventilados e queimados. Isso é 1,2% do total de gás retirado da Terra nos Estados Unidos em 2019. E o número pode estar subestimado em 10 vezes.
Qual será a pegada de carbono futura do Bitcoin?
Em 2017, uma estimativa apocalíptica previu que o Bitcoin iria consumir toda a energia do mundo em 2020 (como os avisos do final da década de 1990 previram que "metade da rede elétrica alimentará a economia da Internet digital na próxima década"). Não só sabemos que ele errou, mas sabemos que ele errou feio!
A verdade é que é impossível saber quanto de energia o Bitcoin vai gastar ou prever a pegada de carbono do Bitcoin no futuro porque há inúmeras variáveis desconhecidas. Qual será o preço do Bitcoin? Eis a pergunta de $ 100 T (segundo o S2F)! O preço das taxas? Riot e Marathon pagariam muito por essa resposta. O mix de energia dos mineradores? O poder de processamento máquinas? O cargo de CEO da Bitmain.
Só para abordar uma das variáveis, vamos olhar o histórico das eficiência energética dos hardwares de mineração do Bitcoin.
Evolução da Eficiência energética do Bitcoin
Nos primeiros dias da mineração do Bitcoin (2009), a mineração era feita com unidades de processamento central padrão (CPUs) com poder de computação de menos de 0,01 gigahashes por segundo (GH/s) para extrair bitcoin. Com o aumento da popularidade do protocolo e expansão da rede, os mineradores de primeira geração (CPUs) não conseguiram acompanhar a demanda e tornaram-se obsoletos em 2010, quando as unidades de processamento gráfico foram introduzidas (GPUs). Em 2011, começou a terceira geração da mineração, através do Arranjo de Portas Programáveis em Campo (FPGA) com poder de 0,1-25 GH/s. Os FPGA eram rápidos, eficientes e com melhor resfriamento. Entretanto, logo em 2012 eles foram substituídos pela quarta geração, guiada pelos circuitos de aplicação integrada específica (ASIC). No final de 2014, um ASIC Antminer S5 já contava com um poder de processamento de 1.155Th/s. As máquinas que serão liberadas em junho de 2021, tem potência de 100Th/s!!
Desde que os ASICs foram introduzidos na indústria, a eficiência das máquinas ultrapassou a Lei de Koomey. Os ASICs são um milhão de vezes mais eficientes em termos de energia e 50 milhões de vezes mais rápido na mineração de Bitcoin do que as CPUs usadas em 2009. Isso significa uma melhoria notável no aspecto ambiental da tecnologia, como maior eficiência energética e taxas de hash mais rápidas.
Entretanto, desde 2015, a evolução da eficiência dos ASICs se tornado cada vez mais lenta, em grande parte, devido ao problema com a redução do tamanho do chip, com alguns especialistas apontando que “Estamos atingindo limites fundamentais, com um problema de toda a indústria, não apenas da mineração [bitcoin], mas de toda a indústria de semicondutores ... Precisamos de um novo tipo de dispositivo.”
Desde o primeiro minerador ASIC de bitcoin, não houve uma nova tecnologia capaz de criar a quinta geração de mineração do Bitcoin. E há apenas um concorrente - que eu saiba- vislumbrando o lugar: os chips fotônicos.
Digite Michael Dubrovsky da PoWx, Marshall Ball da Universidade de Columbia e Bogdan Penkovsky da Universidade de Paris-Saclay estão trabalhando na computação óptica, como uma forma de criar dispositivos super potentes e com grande eficiência tecnológica. Incapazes de diminuir o tamanho e aumentar a potência dos computadores e chips baseados em silício, eles criaram o ''Optical Proof of Work'', um protocolo baseado em chips fotônicos cuja promessa é ''oferecer de 2 a 3 ordens de magnitude em melhor eficiência energética em relação aos processadores eletrônicos e [...] ajudar a acelerar o desenvolvimento de coprocessadores fotônicos com eficiência energética”.
As histórias acima servem com um único propósito, mostrar que prever apenas UMA das variáveis em questão já é difícil, imagine todas elas. Qual será a pegada de carbono no futuro? Desvende a imagem abaixo e talvez você chegue próximo da resposta!
E o DOGE?
O Dogecoin, apesar de utilizar o Proof of Work, não utiliza o SHA-256, mas o Scrypt, que consome menos energia por processamento de transação. O Scrypt foi lançado em 2011 pela Tenebrix (TBX) com a proposta de ser resistente à mineração com FPGAs e ASICs. Se fossemos considerar apenas o gasto de energia por transação-base, o custo de energia do Dogecoin seria de 0,12 KWh por transação, enquanto do Bitcoin, seria 707 KWh. Mas, como explicado no início do artigo, uma transação de Bitcoin pode ser responsável por liquidar centenas ou milhares de outras. E o poder computacional da rede está ligado à sua segurança. Redes com pouco hashrate podem ser mais suscetíveis a ataques 51%.
Re(utilizando) os excedentes
Merged Mining/ Mineração Combinada
O Merged Mining é uma técnica que combina a mineração de duas criptomoedas ao mesmo tempo. Assim, um minerador pode usar seu poder computacional para extrair blocos em várias cadeias simultaneamente por meio da Prova de Trabalho Auxiliar (AuxPoW). Através do AuxPoW, blockchains-filho podem ser programados para utilizar o poder computacional de blockchains-pai para validar suas cadeias.
Nenhuma alteração é necessária na cadeia principal, que não precisa estar ciente do outro sistema. No entanto, a outra cadeia precisa ser estruturada para aceitar e receber o cabeçalho do bloco-pai como evidência do trabalho. Assim, um minerador pode receber dois tipos de recompensas por produzir apenas um bloco válido/pelo gasto energético de um. Alguns exemplos incluem Hathor com o Bitcoin, RSK com Bitcoin, Namecoin com BTC e Dogecoin com Litecoin.
Segundo relatório da BitMex, cada bloco de Bitcoin contém cerca de dois hashes de compromisso de outros blockchains, indicando que a maioria dos mineradores está conduzindo várias formas de mineração combinada. Atualmente, mais de 85% do hashrate de Bitcoin parece estar envolvido na mineração combinada.
Adoção da Mineração Combinada. Fonte: BitMex
Reciclando os resíduos de calor da mineração com Whisky & Tomates
Durante a mineração há uma grande produção (indesejada) de calor que requer investimento em ventilação e infraestrutura de resfriamento para garantir o bom funcionamento da operação. Esse calor é normalmente desperdiçado, mas não precisa ser.
A MintGreen é uma empresa de mineração sustentável com dois projetos focados na venda de resíduos de calor gerados na mineração do Bitcoin. Ela desenvolveu uma solução proprietária que permite a captura e transferência do calor das máquinas de mineração para uma concessionária de água quente que precisa de calor em nível industrial. Atualmente ela venda do excedente para uma instalação de Sal Marinho da Ilha de Vancouver, onde o calor é usado para ferver água e destilar flocos de sal e para empresa canadense de Whisky, a Shelter Point Distillery. No anúncio da rodada seed da empresa, a CoinShares disse, ''a empresa busca mudar as percepções convencionais sobre a mineração de Bitcoin como sendo um desperdício e ineficiente. A venda de calor vem com um terceiro fluxo de receita potencial na forma de créditos fiscais''.
O co-fundador da corretora checa de criptomoedas, NakamotoX, Kamil Brejcha, utiliza o calor de uma fazenda de mineração para o cultivo de vegetais. O projeto, batizado de “criptotomatos”, sopra o calor para as estufas que mantêm as plantas. Há vários relatos de pessoas que também utilizam a mineração como aquecedores em suas próprias casas e escritórios.
Junto a duas arquiteturas, desenhamos um modelo de mineração com fontes energéticas verdes cujo calor era reaproveitado.
Não é um desperdício usar tanta energia?
O mundo produz muito mais energia do que consome e existem inúmeras fontes inexploradas que vão para o lixo. Na minha perspectiva é completamente legítimo utilizar grande quantidade de energia para criar, testar e manter um sistema monetário descentralizado como o Bitcoin.
Há várias formas de conduzir o debate, mas o Bitcoin e as criptomoedas estão transformando o sistema econômico e retirando de Estados muitas vezes tão tirânicos como eficientes o monopólio sobre a impressão e gestão do dinheiro. Estamos falando da criação de uma infraestrutura completamente descentralizada, sem dono, independente de nações, feita por pessoas em todo o mundo.
Então não, não vejo como um desperdício! Mas considero que quanto mais focamos na quantia, mais perdemos as questões cruciais do debate. Na minha opinião, algumas dos desafios não dizem respeito a quantia de energia, mas:
Como determinar uma matriz energética confiável renovável ou baseada em energia não rival para a mineração?
Como incentivar a mineração em territórios de energia superabundante para criar riqueza local, como áreas rurais?
Como aumentar a eficiência das máquinas?
Como melhorar a combinação entre mineração e energia solar e eólica?
Como re-aproveitar o hash?
Como usar o próprio ecossistema para compensar o carbono emitido? (ex: MOSS)
Transformando os desafios em oportunidades de uma eco-criptoanarquia
A mineração e as criptomoedas são hoje uma questão de bilhões de dólares, com países utilizando-a como uma forma de fugir de sanções econômicas e como alternativa a sistemas fiduciários inflacionários. À medida que a sustentabilidade se torna um valor cada vez maior na nossa sociedade, haverá cada vez mais incentivos à eficiência e sustentabilidade da mineração.
Sim, o Bitcoin consome muita energia e tem externalidades climáticas, por isso devemos orientar a mineração para um futuro sustentável. Para isso, precisamos de uma compreensão completa dos fatos. Mas, ainda existe um grande problema em determinar EXATAMENTE quão verde ou não é a mineração. Um primeiro passo óbvio é cobrar das pools essa informação. O debate não pode mais ficar parado na briga de gato e rato que deriva da falta de clareza sobre o problema. É verde ou não é? Com essa informação esclarecida, podemos incentivar pools verdes em detrimento das não verdes, pensar em tokens de compensação e evoluir de fato na questão da tecnologia.
À medida que matrizes energéticas passam pela transição rumo à sustentabilidade, o Bitcoin vai convergir para energia renovável da mesma forma. Mas a indústria pode acelerar a transição e ajudar na transição ecológica como um todo. Se o verde se tornar um valor para o setor, novos concorrentes vão se apressar para capitalizar a sustentabilidade. A competição pode ser positiva, trazendo maior eficiência e maturidade ao setor.
OK. Acredito que já há um grande potencial para evoluirmos à uma mineração descarbonizada no longo prazo, principalmente se ela for direcionada para energias perdidas. Mas eu gostaria de ir mais longe e não apenas resolver o problema. Eu gostaria de pensar como transformar os desafios em oportunidade. Qual o potencial do Bitcoin para construir um mundo mais verde?
Devido à falta de infraestrutura elétrica e distância dos centros de consumo, há excesso de eletricidade em áreas afastadas. Zonas rurais, territórios pós-soviéticos, terras esquecidas e não reconhecidas como centros de mineração, resistindo à censura, a sanções econômicas, criando renda, modernizando infraestruturas telecom nessas regiões. Fazendas de mineração mantendo fazendas verticais de orgânicos. Mineração híbrida capitalizando desperdícios e lixo. Bitcoin como um vanguardista da ecologia e um árbitro da ineficiência do mercado de eletricidade. Pools com selos: eis uma mineração eco.
Fatos futuros imaginados em escala, mas não absurdos no contexto da pesquisa atual. Tudo isso pode nunca ser efetivo e nunca ocorrer, mas pode! Principalmente se deixarmos de focar em manchetes apocalípticas sem rigor científico e nos twitters do Elon Musk.
Reconhecer os desafios e imaginar as possibilidades, com vislumbres do possível e do (ainda) contestável. O Bitcoin verde pode ser uma profecia auto-realizável, mas precisamos estimular um debate mais profundo sobre os possíveis futuros e as necessidades tecnológicas. Este é o debate que muitas vezes ainda não temos.
É claro que a narrativa não está acabada. As possibilidades são deixadas em aberto. Caso você tenha outras ideias sobre como construir um eco-criptoanarquismo, eu adoraria conhecê-las.
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