O problema da escolha é um paradoxo que fundamenta a sociedade. Nós humanos, talvez sejamos os únicos animais capazes de imaginar o futuro e com base nas probabilidades, escolher o que quer que seja, nós agimos para o futuro. Nenhum macaquinho pode decidir plantar para colher daqui a meses. Nossa evolução enquanto espécie depende da nossa capacidade de tomar riscos pelo futuro. Entretanto, talvez na mesma proporção que somos criativos, sejamos ruins com as previsões. Então, diante desse problema, como podemos agir? Como podemos escolher algo se sabemos que não podemos saber o que acontecerá no futuro? Como poderíamos imaginar as possibilidades do bloco 648040? Um bloco não serve só para recompensar mineradores?
Eu não sei muito como as pessoas fazem suas decisões e para falar a verdade, talvez nunca tenha pensado muito nessa questão. Eu sempre fiz! Segui! Calculei mais ou menos e tomei uma decisão. Apesar da aparente 'impulsividade' - que sempre é seguida de MUITA perseverança- talvez eu tenha me arrependido mais de como fiz determinadas coisas, do que de ter feito elas. Pode ser estranho, mas sempre que eu tive muitas dúvidas sobre dois caminhos: ir ou não ir, ficar ou trocar, dizer ou calar, a própria dúvida já era um indício forte de que o caminho anterior já não servia mais. Eu já não cabia nele, por isso eu sempre fui.
Mas, a encruzilhada do momento me pede alguns artifícios. E eis que pensando muito sobre como uma anarquista decide o que quer que seja, talvez eu tenha chegado em algum lugar. É importante frisar que é como eu decidi e isso automaticamente já anula muitas 'macro-barreiras' - tais como moralidades, o que vão pensar, o que o mundo espera de mim, e claro, um coração dividido- mas resta aquilo que me diferencia das ovelhinhas: minha capacidade imaginativa e um desejo bem grande de buscar sonhos. E é isso que quero explorar. Aqui, eu te faço um convite à minha ficção iniciática e aos artifícios que acompanham minhas decisões controversas.
O primeiro passo foi um pouco anterior à imaginação, eu precisei olhar para as objeções das pessoas queridas. Quando todo mundo olha pra ti e pergunta: por que tu está fazendo isso? É preciso responder com convicção.
As objeções queridas: meu querido filho, castas não se misturam.
Era uma vez lá em 1382, quando os humanos foram divididos em quatro grupos, baseados nas aptidões naturais: os brâmanes, aqueles responsáveis por ensinar e orientar os espíritos; os xátrias, a casta guerreira dedicada a manter a proteção social (ex: te defender dos valentões da escola); vaixás, os comerciantes, responsáveis pela economia da sociedade e idólatras do Deus Mercado Livre) e por fim, os sudras, ou trabalhadores braçais, encarregados de erguer a infraestrutura do mundo. Mas não se preocupe, até o século 17, as castas eram só uma forma de direcionar as aptidões, os brâmanes e os vaixás poderiam se apaixonar.
Mas a partir do século 17, as possibilidades foram retiradas, as pessoas não podiam mais mudar de castas ou relacionar-se entre elas. Nessa época, saímos de 4 para + de 2 mil - e talvez você só pudesse se dedicar a fazer bolos- e a bagunça começou a ficar séria. A hereditariedade passou a definir o estilo de vida, o ofício e claro, as interações sociais. Apesar da 'estratificação em castas' ter sido proibida por lei, é claro que ela continua bem vivas. E quando parei pra pensar, todas as objeções que me foram apresentadas - e algumas das suas-, foram sobre castas, como se (ainda) vivêssemos sem flexibilidade, destinados à mesmice e a inércia.
Meu filho, ela pertence a uma casta diferente da sua. Minha jovem, olha a mulher que você é, tu se imagina vivendo com uma pessoa desta casta? Você é muito simples pra ela. Sério? São essas as objeções? Se são, vamos a elas.
O primeiro erro inaceitável dessas frases pra mim diz respeito a limitar alguém a algo. Quando eu ouço 'é muito simples para' eu ouço 'tuas conquistas, teus sonhos, você tem um limite. Não busque mudar de casta.' E acho que não preciso dizer porque isso é inconcebível. Ninguém deveria poder nos dizer que alguém é 'muito' ou 'pouco' pra nós. Dado o absurdo desse erro, eu não vou me delongar nele. Vamos ao próximo.
Eu acho que 'simples' e o ' eu sou sempre igual' pode estar sendo confundido com 'o não explorado'. E para explorar essa segunda hipótese, eu inicio a imaginação.
Explorando a simplicidade: águas termais são demais? E os cogumelos?
Eu deveria começar a imaginar do início, mas dado o alto padrão que estabelecemos e aos embates que eles colocaram, eu prefiro começar com o absurdo.
É claro, as pessoas gostam de coisas diferentes. Mas eu talvez nunca tenha conhecido alguém que não goste de ''passear', e aqui, nós somos bem parecidos com os animais. E esse seja o melhor início. Os periquitos podem até ser domesticados ao limite de imitar o caminhar dos donos, mas ele continua dando voltas. Todos os cachorros, gatos, vaquinhas e animais que eu conheço gostam de passear, pastar, explorar, voar. Cheirar, ver e conhecer o mundo à nossa volta é uma dessas coisas cuja exceção é quase inexistente. Sendo assim, porque você nunca foi às águas termais, meu caro macaquinho? Talvez lá tenha a melhor bergamota da sua vida.
Minha imaginação começa pelas águas termais, acompanhada da prole e de seus progenitores. 82 quilômetros te separam dessas águas. E meu primeiro desejo é atravessá-los. Apesar de nunca ter conhecido seus pais, eu já lhes escrevi, eu conheço suas próteses, alguns medos e hábitos e um pouco do seu sistema de parentesco -cujos detalhes até mesmo você segue descobrindo, então não me julguem por não saber tudo-, ainda. Então, nesse dia, eu os conheço de verdade enquanto convivemos com as águas, com os olhares, com as perguntas, desconfianças e sorrisos que sempre aparecem nos passeios. Eles me perguntam o que eu acho da cidade, eu comento sobre girassóis, taiobas (essa até esqueci de comentar contigo) e pessoas loiras e eles sobre curiosidades da cidade e me perguntam sobre a minha própria cidade. E falamos muito sobre agricultura. Nós nos descobrimos. E voltamos ao entardecer, com aquele cansaço característico da água.
No dia seguinte, eu desejo novamente um pouco mais e quero conhecer pessoas que talvez você mesmo não veja há algum tempo, se possível, reunindo elas. E se possível, quero ser mais ousada. Já que a imaginação é minha, eu adoraria cozinhar cogumelos-estranhos-deliciosos-lindos. Antropóloga? Vegana? Vocês se conhecerem por causa de moedas digitais? Tipo o Bitcoin? Você tem quantos? Mas isso é seguro? Com sorte, as criptomoedas possam interessar mais do que a pergunta que todo sempre vão querer fazer sobre a relação-extra-conjulgal-hiper-errada! Talvez não. Provavelmente a primeira vez seria estranha e desajeitada, mas como bons Budistas levemente embriagados, compartilharemos o prazer da presença e de falar sobre coisas que-não-devem-ser-faladas.
Os finais de semana são deles, os horários comerciais e os horários dos milhos, sojas e cevadas, também. Mas as manhãs e as noites são nossas. Tantas quanto possível.
Quando eles se vão, continua meu desejo ardente e insaciável -que até me cansa- de nunca cansar de querer te beijar, te cheirar, te tocar, te acariciar, de transar e transar de novo e te ver com o melhor sorriso de todos. Satisfeito, suado, exausto, com aquele prazer que só nos permite respirar com calma e ouvir cada batida do nosso coração. E antes de dormir, tu me conta outra história e ri e me apresenta um aspecto trivial e lindo e íntimo da sua infância. E claro, me diz a cotação do Bitcoin antes de passarmos pela sublime situação dos bocejos sincronizados, dos gemidinhos que parecem ovelhas filhotes e de tentar dar boa noite, mas nunca conseguir na primeira ou na segunda ou na terceira vez porque nunca conseguimos nos despedir. Nunca!
Eu acho que prefiro a manhã, ter um horário parece tornar mais fácil aceitar a despedida. E eu acordo amando o primeiro despertador, por prover o nosso re-encontro e odiando o segundo que apressa o amor, os beijos, e o sexo e o desejo matinal. Levantamos, nos alongamos e tomamos café da manhã enquanto eu rego algumas plantas. Você vai para teu ofício, eu fico para o meu. Você lida com os tratores, com as peças, sementes, fica todo sujo de grafite e eu adoro te imaginar durante o dia assim. Eu lido com os escritores, tradutores com as empresas e os reports e a volatilidade do mundo cripto e leio coisas doidas que te conto quando tu chega e eu intercalo notícias-beijos-sorrisos-ideias-malucas-atores- grãos-hash-rates e músicas de fundo que já te indicam meu humor. E falo um pouquinho sem parar, pela saudade. E depois te beijo devagarzinho em silêncio, ouvindo só sua respiração. E te amo e sinto seu cheiro e me apaixono por ele mais um dia. E desejo que o único conflito seja torcer pras horas passarem mais lentamente quando estivermos juntos. E especulamos sobre a previsão no dia seguinte e quem sabe até nos tornemos melhores que eles, sentindo o cheiro da chuva da noite anterior. Talvez, eu te deixe em paz de noite enquanto eu leio, só pra depois voltar e te contar tudo falando bem baixinho no seu pescoço enquanto nos preparamos para mais uma batalha com a despedida noturna.
E no próximo final de semana, talvez você trabalhe do raiar do sol ao aparecer da lua e eu fique 14 horas sentada lendo white papers da minha casta pra rir de ti quando você chegar cansado e sujo de sombra-grafite da sua casta. E no outro, talvez eu vá embora e te deixe com sua liberdade forçada por semanas. E ai, teremos apenas as despedidas noturnas pelas vibrações dos celulares e sentiremos saudades de cada toque. E eu, indiscutivelmente passarei -tal como agora- escrevendo ao mundo sobre os sentimentos, as reflexões e a grandiosidade que tu tem pra mim. E querendo que todos saibam disso, mas que ninguém ouse interferir nisso. E assim, digo pra cada um deles, que se a simplicidade puder ser expressa nesse simples querer-te-ver-beijar-e-amar, eu fui feita pra ela.
E por isso, eu vou embora feliz com a minha decisão de ter vindo, independente de onde isso levar, já que o caminho escolhido é aquele que me aproxima dessa imaginação escolhida.
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